- O parto Natural e humanizado de verdade - A maneira segura e emocionante de ajudar mulheres trazer crianças ao mundo

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Porque partos domiciliares não dão errado

Hoje tive a resposta para o que busco há tempos. Eu tinha muitas teorias, mas agora vieram as certezas.
Tive meu primogênito em julho de 2002 e desde então convivo neste meio. Isso também se deve ao fato de eu ser enfermeira e ter mais acesso a muitas pessoas relevantes no movimento.
Desde que comecei a observar estes profissionais, estas mulheres e as noticias, jamais tive a informação de que algum problema teria ocorrido em casa sem tempo e tecnologia suficientes para chegar ao hospital. Mesmo que estatisticamente fosse esperado, nunca ninguém morreu.
Certa vez uma amiga optou por um parto domiciliar. Ela tinha 3 cesáreas anteriores, apesar de uma gravidez completamente perfeita. Antes do inicio de seu trabalho de parto, foi ao hospital para ser avaliada pelo seu medico. Neste momento, já dentro da maternidade, sentiu dores no ombro, características de ruptura uterina, e foi operada às pressas e o bebê não sobreviveu.
Bom, este assunto é um tabu e divide as opiniões entre nós. Foi um episodio triste demais para todos e infelizmente muitos se aproveitaram macabramente para destilar seu veneno, culpando à mulher e os profissionais que toparam tentar com ela.
O engraçado é que ninguém culpou a nenhum de seus 3 cesaristas anteriores por suas cesáreas criminosamente mal indicadas e por suas suturas mal feitas que romperam seu útero ao primeiro esforço.
Enfim, este não foi um parto domiciliar. Existia a escolha, existia a co-responsabilidade, a consciência e o desejo. Tudo isto foi respeitado desde o principio, o que nos deu, além de tristeza, uma grande lição. Os profissionais foram criticados por deixar que uma “leiga” decidisse como seria seu próprio parto, um crime imperdoável para o nada misericordioso absolutista saber médico. Apesar do princípio ético ter sido respeitado, o trabalho de parto e a cesárea aconteceram no hospital, não em casa.
Hoje assistindo a um vídeo sobre meditação, compreendi porque os partos domiciliares tem sempre um final feliz.
A primeira razão, eu já sabia. Os profissionais que assistem conhecem o outro lado, a assistência hospitalar. Sabem o que a tecnologia pode oferecer, caso seja necessária. E, acredite, eles usam. De vez em quando acontece um parto normal hospitalar que começou em casa, ou até mesmo uma cesárea. Nunca saberemos caso estas cesáreas não tivessem sido feitas, se estas mulheres paririam em casa. O fato é que estas enfermeiras e médicos obstetras têm uma taxa de cesáreas baixíssima (5%, ao contrario dos 95% de maternidades particulares), de fazer inveja a qualquer hospital amigo da criança do mundo.
A competência destes corajosos colegas é o que dá a chance às mulheres darem à luz, como um dia suas mães lhe deram... Ou melhor do que elas, como foi meu caso, tendo nascido de um parto hospitalar abominavelmente intervencionista.
Digo corajosos não pelos riscos do parto domiciliar, já que são mínimos, iguais aos de um parto hospitalar de baixo risco; mas pela crítica a um sistema que não perdoa seus “adversários”. Corajosos por terem saído de suas matrix e conhecido um mundo novo, cheio de possibilidades e amadurecimento pessoal, fazerem disso sua profissão, sua missão e conseqüentemente seu legado.
Voltando ao vídeo, o narrador, com uma voz suave, dizia os passos a seguir para alcançarmos o estado de meditação perfeito. Foi quando ao final, ele disse “Neste estado Não há pensamentos, não há funções corporais, não há respiração”... -Não há respiração? – pensei – Mas e se alguém entra neste estado e morre?!
Então me dei conta que ninguém nunca morreu meditando. Inclusive estando há vários dias sem se alimentar ou sem orientação adequada... Assim como ninguém nunca morreu num parto domiciliar de baixo risco bem assistido.
E por que isto acontece?
É como religião. Não é a gente que escolhe, nós somos escolhidos... Depois que decidimos por um parto em casa, assim como quando decidimos expandir a consciência através da meditação, não há volta. Conhecer o outro lado tem este problema, saímos da acomodação, partimos para a auto-critica e para o trabalho. É um mundo meio solitário, mas a cada mulher que vemos ultrapassar seus próprios limites, temos nossa pequena recompensa pessoal.
Então os partos domiciliares nunca dão errado porque felizmente só chegam até ele quem realmente quer e está preparado.
A vontade, a coragem e a autoconfiança são características comuns às mulheres que optam por esta forma de trazer filhos ao mundo. E, por isso, não é para todas, afinal não é qualquer pessoa que decide sair da condição de paciente hospitalar para a de mulher dando à luz seu filho através de sua própria força e capacidade.
. Isso me deixa muito tranqüila e me amadurece para logo poder assistir e ajudar outras mulheres a parirem seus filhos em segurança, em seu lar.
É uma forma de devolver ao universo a gratidão por ter podido trazer meus filhos na paz, segurança e romantismo que só a minha casa, dentre todos os lugares do mundo, poderia ter.
Por isso fiz obstetrícia. Por isso estudo incansavelmente e por isso sou viciada nesta luta que é devolver às mulheres o direito de escolher, de mandar e de parir.

Querer parto normal

Existem sempre aquelas mulheres que “querem” um parto normal. Confesso que ainda me engano com algumas, até que o parto vem e a maneira como acontece, mostra se este era um desejo ou um devaneio.
Muito poucas mulheres que querem mesmo um PN não conseguem parir. Até mesmo algumas que não querem, acabam parindo se esperarem a hora.
E é mais fácil uma mulher que não deseja, conseguir parir, em boas mãos do que uma que queira, conseguir seu parto em mãos não hábeis, não preparadas e não disponíveis para isso.
Mas uma grande parte se conforma com a “indicação” da cesárea ao primeiro e frágil empecilho com uma facilidade questionável. E as desculpas para operar muitas vezes trazem dúvida quanto a sapiência do homo...
Será possível que a mulher que planeja verdadeiramente um PN seja enganada e aceite sem cerimônia uma cesárea? Ou será que seu desejo real é ser tutelada, protegida e curada de sua gravidez e ”destino incerto” de seu parto? Será que elas não assistem TV demais?
É um consenso – quase unanimidade - que optar por um parto domiciliar é uma afronta aos dogmas médicos (não dogmas científicos) atuais. Porém, infelizmente, mesmo encarar um parto normal até o fim já esta sendo considerado irresponsabilidade. Enquanto a cesárea é vista como um procedimento salvador quando - raramente necessário – e inócuo quando opcional. Uma manipulada inversão de valores que virou uma verdade social.
As evidências cientificas são ignoradas tanto quanto milênios de partos domiciliares. Sem contar nossos parentes mamíferos que vivem seus partos naturalmente até hoje pra quem quiser ver. A tecnologia não melhorou muito os indicadores de saúde mateno-neonatais, mesmo assumindo plenamente o papel outrora clerical, intimidando e dominando massas, da mesma forma.
Então quando alguém diz que deseja um parto normal, há que se escutar o que realmente quer com isto.
Há muitos sinais que mostrarão a qualidade deste querer, mas talvez o principal seja que esta mulher ou casal já tenha rompido com o sistema em algum seguimento relevante da vida. Isto demonstra coragem, não-vulnerabilidade e auto-confiança para resolver-se por si só, sem a ajuda de um hospital, por exemplo.
Você deve estar se perguntando que tipo de rompimento com o sistema esta pessoa deve ter cometido - Como um crime são eternamente questionados e criticados por agir assim -. Não são necessariamente os que citarei (não existem regras, somente caminhos), mas através destes exemplos, será possível compreender melhor: Vegetarianos - romperam com uma cultura altamente carnívora - ; moradores de ecovilas - romperam com a comodidade das grandes cidades - ; eremitas - romperam com a necessidade de viver em sociedade - ; famílias urbanas com grande numero de filhos -romperam com o padrão que dita quantos filhos devemos ter - ; um ateu - romperam com medo de não acreditar em nada - ou um budista convertido no Irã; existem vários tipos de rompimento!
Nem sempre estas pessoas estão á frente evolutiva de outras, assim como quem escolhe PN não esta necessariamente à frente de quem escolhe cesárea marcada. Tudo depende das razões que levaram às pessoas se tornarem o que são.
O fato é que quanto mais radical por algum ideal de vida, mais chance de conseguirem seus partos normais essas mulheres terão.
Indivíduos comuns sentem medos comuns, desejos comuns, possuem vidas comuns. A maioria é assim e, por isto nossa “sociedade em série”, consumista, dá tão certo em suas vontades e “necessidades”. Pessoas normais querem coisas normais. Pessoas diferentes precisam de coisas diferentes.
O parto normal, e vou além, o parto domiciliar pode ser o primeiro rompimento com o sistema, mas dificilmente este será o ultimo objetivo de quem viveu esta experiência. Posso falar por mim mesma. Para quem não pensa a respeito é loucura, simplesmente porque não é comum. Mas quem viveu sabe que o parto vivido plenamente abre muitos horizontes, dá força e coragem para lutar por esta causa e por outras.
De qualquer forma, esta experiência modifica a vida e a visão de quem a vive para sempre.Esta é a recompensa.

Aventureiros

Esta semana uma homeopata amiga minha falou de parto domiciliar para uma gestante que queria desesperadamente um parto natural. Dizia que ela, apesar da aparência, era uma mulher forte e com o desejo verdadeiro de parir. Até que teve a resposta “Eu só quero um parto normal. Não sou uma aventureira...”.
Por que “aventureira”?
Nossas avós eram aventureiras?
Os profissionais que ajudam as mulheres a parir livres deste sistema ditador são “aventureiros”?
De fato, nossas avós não tinham o recurso tecnológico para ‘escolher”. Este recurso marketeiro de uma sociedade doente e sem fé.
Elas aceitavam a vida como ela viesse e tinham muito sucesso. Claro que as pessoas morriam. Sempre morreram e sempre morrerão, acredite. Mas a morte não era uma derrota e sabiam lidar melhor com isto.
Então veio a tecnologia com a promessa de diminuir a dor... Dor da perda, dor do nascimento e a dor da morte. E como mostram as series históricas, ficaram só na promessas e mesmo assim deslavadamente continuam a culpar a natureza perfeita da qual viemos, ou seja, Deus.
As mulheres “querem” parto normal, desde que com o aval da deusa tecné*. Rodeadas de excessos raramente bem indicados, se sentem “confiantes” para dar a luz. As máquinas, os jalecos e as agulhas lhes trazem mais segurança do que seu lar, do que a própria cama onde seu bebê foi gerado.
E não entendem porquê dá tudo errado...
Mesmo nunca conseguindo parir naturalmente como planejam, sequer desconfiam que foram enganadas. E caem no erro repetidas vezes.
É mais fácil acreditar na sua incapacidade do que na do profissional?
Às vezes me intriga: estas mulheres querem realmente parir ou simplesmente serem tuteladas? Será que não levamos a sério demais a história do príncipe encantado no cavalo – ou jaleco – branco, nos salvando do destino cruel, sendo felizes para sempre?
Ao ver todos os dias a história lamentável de cesárea por cordão enrolado no pescoço e não ter passagem se repetir, questiono se não é realmente de uma cesárea indicada pela psiquê que estas mulheres precisam.
Assisti uma gestante pelo SUS de 41 semanas que foi avaliada por diversos profissionais além de mim. Definitivamente estava em pródromos há alguns dias, não em trabalho de parto, longe de uma alto risco ou sofrimento fetal. Com um desconforto grande para ela, saiu da cidade e se submeteu a avaliação de um profissional que, pagando, indicou uma cesárea por “falta de passagem”. E agradeceu só seu salvador pela cirurgia devido ao cordão enrolado... Eu falei mil vezes no pré-natal que isto não era indicação e que falta de passagem sem trabalho de parto não existe. Pois quando ela escutou estas histórias pobres vindas de outro profissional que aceitou operá-la por dinheiro, “acreditou” facilmente... E agora tenho a certeza de que ela só escutou o que procurou muito ouvir.
Fiquei pessoalmente magoada, porque acreditei que ela queria parir. Infelizmente ainda não me acostumei. Mas desejo-lhe o melhor, apesar de não ter respondido á minha oferta de ajuda no aleitamento e já estar praticando amamentação cruzada, mesmo com o discurso de que queria amamentar. Desta vez não me surpreendi....
A humanização do nascimento não tem nada a ver com aventura. Claro que parir pode ser uma delicia, mas é também seguro. Ser operada jamais será. O parto humanizado não implica somente em ter filhos através da vagina, mas dar a possibilidade da mãe e do bebê viverem este momento da melhor forma possível, com respeito incondicional.
E respeitar é muito mais difícil do que parece. Ainda mais se houver um cérebro tecnocrático formado pela universidade do medo no comando.
Os humanistas são caçados como bruxas na inquisição, com a diferença de que agora a ciência está ao nosso lado. Quando tudo que fazemos é devolver à mulher seu direito inalienável de parir. Dar direito e poder significa acreditar, apoiar e libertar.
“Tenha seu filho onde e como quiser, mulher!”.
Não, não somos aventureiros. Somos muito responsáveis. Jamais faríamos um procedimento desnecessário ou usaríamos a tecnologia indiscriminadamente, porque é indiscutível que isto não traz qualidade alguma.
Se existe coerência, aventureiro seria quem coloca vidas em risco para preservar um feriado, por exemplo. Nem a tecnologia pode salvar quando a mãe-natureza é tão amaldiçoada e menosprezada. O advento da cesárea não diminuiu os casos de paralisia cerebral e aumentou os problemas respiratórios e mortes maternas/neonatais, entre outras morbidades. E a sociedade fecha os olhos a isto.
Misteriosamente esta verdade não esta no inconsciente coletivo, apesar das estatísticas repetitivas e escancaradas ano após ano, década após década.
Não existe aventureiro neste movimento. Existe paixão, existe sabedoria, existe amor; aventura, não.
Chagará o dia em que os absurdos serão a exceção. O dia em que para se formar, os profissionais terão que antes aprender a usar os instintos e a empatia antes de tudo. O dia em que as mulheres serão as donas, protagonistas e rainhas de seus partos e não mais aceitarão serem maltratadas e subjugadas.
Certamente não estaremos lá para ver, não nesta existência. Mas não há outro caminho para a evolução humana, senão o amor pleno e o respeito incondicional, desde o nas cimento até a inevitável morte.


* Nome dado carinhosamente à tecnologia pelo meu querido amigo obstetra com nome de cowboy.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Marcio Garcia & Andréa santa Rosa

O que este admirável casal fez esta semana não poderia passar despercebido. Ainda mais por ter sido uma evolução consciente e gradual.
Eles são realmente belíssimos fisicamente. Mas a beleza física por mais impressionante que seja é apenas a menor da que podemos observar.
São um casal jovem da TV e seriam mais um, senão por algumas diferenças fundamentais.
A primeira é que apesar das tentações que ambos devem ter, sempre demonstraram sobriedade, amor e lealdade em seu relacionamento. Isso por si só, já os colocaria numa parcela muito pequena do meio em que vivem. Mas serem felizes como casal e como uma família mediana não lhes bastou.
Não sei se sabem sua história, mas o primeiro filho deles nasceu de uma cesárea que eles mesmo compreenderam ter sido desnecessária. Em uma entrevista, demonstraram sua insatisfação coerentemente com o procedimento e, decididos, resolveram conhecer mais e crescer... E Cresceram.
A segunda filha nasceu de um parto normal hospitalar que eles julgaram ter sido um acontecimento melhor do que o primeiro e se mostraram impressionados com o universo de cesáreas. É sempre assim quando começamos a sair da Matrix cultural Obstétrica.
Como este segundo parto foi não só normal, mas também doulado pela Fadynha, uma famosa doula e uma das principais figuras de humanização do nascimento do RJ, era natural divagar sobre a possibilidade de um parto domiciliar para um próximo filho. Até que o Marcio apareceu na TV dizendo que só os dois já dava para rir e chorar. Então não seria desta vez ainda que teríamos um casal famoso não só conhecendo, mas também experimentando um parto em seu lar.
Enfim há alguns meses ela surgiu novamente grávida. E seria impossível não pensar sobre isso, já que eles foram evoluindo... Cesárea – Parto normal hospitalar... Parto domiciliar. Seria uma excelente experiência para eles e uma força para o Movimento de humanização.
Confesso que queria muito, mas como já vi outros artistas falando deste desejo e terminando em cirurgia, procurei não me iludir.
Mas não é que eles conseguiram?!
Ontem a notícia estava estampada pra quem quisesse ver “Andréa Santa Rosa e Marcio Garcia têm seu filho em casa” e com a mesma parteira que aparou os meus filhos.
Eu queria contar a todo mundo: não sou louca... Tive meus bebês em casa com toda segurança, como a Andréa fez. Foi a informação e o romantismo que me levaram a isso, não a aventura... Assim como foi com ela.
Não tem a ver com coragem... Tem a ver com despertar e decidir.
A sociedade está imersa num oceano de medo, achando que a cesárea nos salvará da dor e da morte, na prática, o que ela vem provocando é mais dor e mais morte, ao contrário de seu objetivo inicial.
A cesárea jamais diminuiu o índice de óbitos, paralisia cerebral ou dor. Uma cirurgia dói muito mais do que um parto, por este motivo, sempre precisa de anestesia – as vezes geral – e quando ela passa, só os remédios poderosos para minimizar a dor que a ferida provocada gerou.
Eu, a Andréa e mais uma leva de mulheres somos vistas como loucas, irresponsáveis, rebeldes ao sistema. A única verdade é que nos rebelamos a este modelo aterrorizador obstétrico que vê as mulheres como defectíveis e o parto como um momento de perigo, não fisiológico, de insegurança e tensão.
Nós o vemos com alegria, tranqüilidade e paz. That´s the diference!
A Andréa e o Marcio tiveram uma trajetória interessante. Passaram por todas as experiências dentro da obstetrícia. E conhecendo as duas primeiras, optaram pela forma mais natural que poderiam escolher.
Não os conheço e provavelmente jamais conhecerei. Mas torço por eles tanto quanto quero bem aos meus amigos. Eles se mostraram maduros, coerentes e fortes. Estou muito orgulhosa por terem conseguido e por acreditar que todos os meus esforços não-remunerados daqui de longe contribuíram para isto.
Parabéns... De todo meu coração.

Memórias de um Ex-cesarista

Antes eu era um obstetra normal. Era chamado para as festas corporativas de final de ano, dormia a noite inteira e raramente recebia ligações de gestantes nos feriados. E se acontecesse, eu ligava para um colega de plantão e ele operava pra mim.
Tinha uma vida social e ia a todos os compromissos pré-agendados, inclusive minhas cesáreas. Tudo pontualmente.
Foi quando conheci a Clara, uma enfermeira recém formada em obstetrícia, contratada para humanizar o parto numa das maternidades em que eu operava. Essas “pressões do governo para reduzir cesárea, sabe como é. Pensei que fosse só pra constar. Afinal, eu já tinha uma postura muito humanizada, oras. Entre a extração do bebê e a seção de tubos nasais da pediatra, eu mostrava a criança rapidamente para a mãe, que ficava emocionada. Mas a pediatra precisava fazer o trabalho dela e isso era o prioritário naquele momento. A mãe teria o resto da vida para curtir. Uma noite sem ele, não mudaria nada.
Enfim, esta Enfermeira começou a conversar com as gestantes que chegavam antes de eu chegar, até que um dia, as peguei numa posição constrangedora: ela e a “mãezinha” de cócoras! Até então só tinha visto tamanha acrobacia em filmes eróticos muitos selecionados. Peguei a doente e operei antes que acontecesse algo pior.
Um dia quando fui ao hospital após a ligação de uma paciente “pós-termo” (40 semanas) e, enquanto me paramentava, escutei um gemido suave e um choro de bebê. Corremos para salvá-los, mas já era tarde. O feto nasceu de um parto completamente “contaminado”. E por sorte, ficaram bem, e tiveram alta após uma semana de nosso ritual de descontaminação. Fizemos o que pudemos: antibióticos, desinfecção, . Nunca cheirei tanto éter na vida.
...Por pouco não cai no chão. Nas mãos de uma enfermeira que dizia “Acostume-se, ‘doutor’, no futuro os partos serão assim...” O que ela sabia sobre futuro com estas práticas retrogradas? Foi muito traumatizante pra mim, mas pelo menos, ambos sobreviveram.
O que mais me preocupava era: como aquela criança conseguiu nascer – e bem – sem um médico por perto. Isso ia contra tudo o que eu havia aprendido e acreditado.
A gota d´água para eu deixar aquela maternidade foi no dia em que essa irresponsável acendeu um incenso e colocou o CD da Enya... ‘Pra relaxar’, dizia ela.
Pois eu pedi contas imediatamente! Dois meses depois já tinham reduzido a taxa de cesárea de 95 para 75%. Era demais para mim e eu não poderia compactuar com os riscos a que estavam submetendo mãe e feto naqueles partos sem controle.
Parecia até que o parto era das mulheres, não um ato médico!
Neste novo emprego, contei para o diretor-médico todas as coisas que fui obrigado a assistir e acabei me abrindo demais ao contar que estava fazendo análise por causa desses traumas. Numa dessas seções, até chorei.
Mas este colega compartilhou de minha dor e foi solidário ao garantir que isso só se repetiria por cima do cadáver dele. Mas aí ele morreu no mês seguinte e o substituto colocou como principal meta diminuir as cesáreas, meu Karma. Eu estava quieto na minha... Mas quando vi meus próprios colegas de plantão oferecendo água pra parturiente em pleno trabalho de parto, não pude me conter! O que mais faltava acontecer? Abolir a episiotomia de rotina? Foi o que aconteceu...
Decidi que trabalharia numa maternidade particular, onde jamais seria importunado.
Novamente comecei muito bem até que auxiliei na cesárea de um colega mais cesarista que eu. Ele conversava sobre a festança de reveillon que tinha promovido e que passaria o carnaval na Bahia, por isso estava “desafogando” sua agenda. Parei para olhar aquela cena... Percebi que o assunto ignorava completamente o belo momento que estava acontecendo e que ele estava operando várias grávidas só pra poder viajar no feriado. Percebi que eu já havia feito aquelas coisas, mas ver outra pessoa fazendo igual me despertou algo estranho... Como uma lamentação.
Com o papo, ele acabou esquecendo de mostrar o bebê à mãe.
Numa sexta fera, outro colega me ligou agendando uma “cesárea de emergência” (por cordão enrolado...) para a terça seguinte. Por mais tapado que eu fosse, tinha outro entendimento sobre emergência...
Assim foi indo... Mas devagar essas situações começaram a me incomodar.
Tempos depois, uma gestante chegou ao meu consultório com 12 semanas já falando que teria um parto normal. Vê se pode... Nem estava na época de pensar nisso! Primeiro teria que dar tudo certo – tudo mesmo! – e durante o pré-natal certamente apareceria alguma intercorrência que me obrigaria a indicar a cesárea, era sempre assim.
Mas eu disse que tudo bem porque este era um uma situação distante e concordei que parto normal era melhor, desde que TUDO estivesse perfeito.
As semanas estavam se passando e e nada dela aparecer com sequer um exame alterado. E olha que o que eu mais pedia era exame! Pior é que eu era representante dos médicos no conselho do hospital e tinha uma reunião para reivindicação de um novo centro cirúrgico exatamente na mesma época prevista para este parto. Esta reunião me traria status na corporaçao. Mas seria muito azar ambos acontecerem exatamente no mesmo dia e na mesma hora! Então continuei procurando meus motivos minimamente coerentes para operá-la antes e me salvar do meu destino incerto...
O grande dia chegou. Ela entrou em trabalho de parto sem um sorinho sequer, pode acreditar. Cheguei logo depois tenso porque o “muito azar” aconteceu e estava quase na hora da tal reunião. Ela estava abraçada ao marido e, vai entender, tinha escurecido o quarto. Fiquei desconfortável, porque como eu faria meus procedimentos altamente tecnológicos sem luz? A hora da reunião se aproximava e os participantes muito ocupados, não me esperariam e os colegas me matariam se eu não aproveitasse a oportunidade. O novo Centro cirúrgico beneficiaria a todos que poderiam operar mais e atrair mais convênios para si e para o hospital.
E eu lá preso!
Já estava nervoso com a pressão alta - Nao da gestante, a minha! Saí, voltei, saí de novo e quando voltei peguei a parturiente numa posição que nem minha mulher fazia nos melhores dias: de quatro.
Custou, mas consegui o telefone daquela profética enfermeira obstetra. Ela me pediu pra ficar calmo e que o parto se faria sozinho, se eu deixasse a natureza agir. Que mane natureza! Quase xinguei, mas estava tão tenso que decidi relaxar. Já tinha perdido a reunião mesmo e o pior que poderia acontecer era o bebe nascer sem dar tempo de eu chegar a porta ao lado. Fui para o quarto dos médicos em alfa. Uns disseram que eu tinha que ficar lá, fazendo alguma coisa, que eu estava maluco... “Negligencia!”, nem liguei. Acho até que a paciente não me queria lá naquela hora. Coloquei a Enya no meu MP4 e cochilei. Acordei duas horas horas depois com a supervisora me chamando.
Quando cheguei no quarto dela, já não pude fazer mais nada, senão ver aquele bebê coroando e saindo de sua mãe. Sem fórceps, sem episio, sem nada. Na cama. Antes que eu pudesse chamar o pediatra, ela tomou o filho em seus braços e começou a niná-la entre lágrimas e devaneios. Eu precisava fazer alguma coisa, qualquer coisa, mas fiquei estático. Parecia que se eu me aproximasse, estragaria algo, sei lá. Por incrível que pareça, achei lindo e me deu um nó na garganta. Mas eu tinha que parecer profissional e não me emocionar.
Não havia laceração (nem sabia que era possível nascer sem episio), o sangramento foi moderado, mas logo cessou e eu mesmo pedi ao pediatra para não levar a criança para o berçário.
Mal podia dirigir de volta pra casa. Estava deliciosamente chocado.
Comecei a ver as coisas que estavam na minha frente o tempo todo e jamais pude ver. Me arrependi pelos tantos procedimentos que executei, sem criticar. Lamentei as oportunidade de crescimento que furtei as famílias em meu benefício. E o melhor de tudo: percebi que não precisava continuar sendo assim.
Fui pra casa, li o site da Parto do Princípio, HUMPAR, Amigas do parto, me perdi em tantos blogs, em especial o da Dydy (hehehe) e, confesso, me filiei à REHUNA.
Isso foi há dois anos.
No 1º ano, me tornei o médico que mais fazia partos normais na região e isto me levou a conhecer muitos colegas semelhantes. Fui convidado a dar palestras, meu consultório encheu. Minha mulher disse que eu estava menos presente, mas era muito mais feliz nos momentos em que estava com minha família.
No último ano fui convidado para trabalhar numa casa de parto e há seis meses uma cliente me convidou a assistir o Parto domiciliar dela.
Hoje tenho uma equipe: eu, a clara – aquela enfermeira-Enya – minha esposa que fez um curso de doula e um pediatra que converti á humanização, mas ele raramente precisa aparecer lá.
Minha vida agora não tem mais rigidez de horários, metas e patrões. As mulheres são as minhas patroas! Estou sempre a espera para aparar alguém que vai nascer e nada mais. Incrivelmente, a consciência de que eu não preciso fazer muita coisa num parto me trouxe uma imensurável satisfação.
Sei que não estou cometendo um erro, ao contrario do que nossa sociedade não preparada acredita. Estou seguindo meu código de ética, respeitando o desejo das mulheres que me procuram e as evidencias cientificas. Desta forma, o que poderia estar errado?
Entendi que o corpo feminino é perfeito e que o máximo que precisarei fazer é ajudar, de vez em quando.
Compreendo e pratico o sentido profundo da humanização, não mais o simplista superficial. E agora que o conheço, não resta mais alternativa, não há mais volta.

Obrigado pela atenção.

Assinado: Um ex-cesarista convicto e atual parteiro...

Parteiras

Tenho conversado muito com parteiras. Algumas mulheres que assistiram a vários partos e me deram dicas valiosíssimas para o sucesso dos nascimentos.

Engraçado que apesar de tamanha sabedoria, não existe soberba, desejam repartir comigo seu conhecimento, me fazem sentir respeitada por dar continuidade ao seu oficio e são muito femininas.

Elas realmente acreditam na força da mulher, nos instintos e em Deus.
Reconhecem de longe sinais de problemas e sabem mais do que qualquer assistente urbano de partos. Sem a menor duvida. Sempre dizem que é a mulher que faz seu parto e que, o Maximo que podem fazer é ajudar de vez em quando.

Me irrita profundamente ver esta sabedoria sem limite subestimada por quem não conhece este trabalho nem a verdadeira obstetrícia. É obvio que quem menospreza o trabalho de parteiras não o conhece e não sabe o que está falando.

Pelo menos gratidão deveríamos ter por elas. Mas como é de nossa natureza amarga, usamos termos nada a ver como “curiosas”, o que só demonstra ignorância. São curiosas, e sábias. E conhecimento de verdade não se encontra em toda esquina, infelizmente.
Elas sempre tiraram leite de pedra. Quantas manobras corajosas não foram realizadas em detrimento de cortes e retiradas rápidas de bebês do útero materno sem sequer tentar...

Estas mulheres trabalharam de graça, levaram a serio seu sacerdócio e nunca deixam uma mulher na mão. Seriam incapazes de “agendar” um parto para curtir o feriado sossegadas ou aterrorizar para garantir o procedimento e remuneração.

Ontem perguntei a uma delas se ela sabia quando um parto não aconteceria naturalmente e, sem hesitação, me respondeu: “Quando a mulher desde o principio do TP diz desesperada que não vai conseguir. Esta, você pode contar que não vai conseguir porque não relaxa lá em baixo.” Ela deixou claro que não estava falando das parturientes que, a certa altura cansadas e com dor dizem que não agüentam mais. Ela falou da mulher que inicia um TP dizendo estas palavras de forma ansiosa e decisiva. E, mesmo sem ter assistido as uma reação assim, fui remetida a algum lugar de mim que sabia exatamente do que ela estava falando.

O mais intrigante é que sua descrição sobre manobras, posições, proteção perineal, demoras, variações e complicações é a mesma descrita nos livros, mesmo sem ter jamais lido um. Na verdade, suas informações são muito mais claras e acessíveis do que qualquer Tratado de capa preta de mil paginas... E suas intervenções, quando há, muito mais simples e eficazes. Esta por exemplo jamais perdeu um bebê.

Descobri que a maior cesarista das redondezas nasceu em suas mãos, num parto fácil, rápido e indolor. Que ironia do destino.

Falar de um país sem memória explica desprezar nossas parteiras. A elas a humanidade deve todos os seus nascimentos por milênios. Mas ao contrário, são caçadas como bruxas, curiosas inconseqüentes, que só tem lugar onde os médicos não querem ir.
Estou trabalhando muito para ser uma delas. Lendo, observando, esperando e descobrindo a magia que têm estas adoráveis aparadoras de bebês.

Não desistam, passem esses conhecimentos adiante. Trabalhem! Ainda tem muita gente grata a vocês.

Eles já me visitaram