A inserção da cesariana na nossa cultura provocou uma inversão de valores que jamais seria conseguida se tivesse sido cuidadosamente planejada.
A cesárea, antes temida, agora é um procedimento corriqueiro pelo qual a maioria covardemente esmagadora das mulheres de classe media e alta passa sem questionar. Como se, ser operada para o nascimento de um filho, fizesse parte do curso natural da vida.
E hoje em dia, pouco importa o que diz a ciência quando não nos importamos com nossos próprios processos fisiológicos, quando terceirizamos a tutela de nossa saúde e delegamos o poder sobre as decisões essenciais, nos tornando senhores de nossas vontades fúteis sem qualquer vinculação com suas conseqüências.
A cultura se transformou tanto que uma cirurgia de grande porte se tornou mais comum e corriqueira do que - o antes - processo natural de parir, este sim parte inerente a vida das mulheres de outrora.
E aí se instalou uma certeza nas mentes, femininas e masculinas, de nosso país: “cesárea salva e parto normal mata”. Como se parto normal até fosse melhor, mas, à menor dificuldade, lá estava a cirurgia salvadora para corrigir os erros – hoje “tão comuns” = da natureza.
Pouco importa o que diz a ciência e ignora-se a racionalidade: as mulheres são defectíveis demais é a idéia que impera na nossa sociedade sexista e simplista.
De nada adiantará citar OMS, Ministério da Saúde, Cochraine, Obstetrícia Baseada em Evidência. Tudo o que realmente interessa é a cultura arraigada, inquestionável, a lei do menor esforço e do capitalismo e a deusa tecné acima de qualquer suspeita.
Então nos deparamos com frases como “Fazem parto normal a qualquer custo”, quando os números dizem exatamente o contrário. E eles também são desprezados.
Julgamos e condenamos sumariamente o parto normal, pois a natureza “precisa” de tutela. Torturamos com palavras tudo o que nos causa repulsa sem jamais refletir sobre o que de fato estamos criticando.
Há mais indicações de cesáreas entre o céu e a Terra do que supõe nossa vã filosofia.
E enquanto não transformamos nossa forma de ver o mundo e a nós mesmos, nem a forma de nascer nem o mundo mudarão.