Foi neta pedra em Itatiaia que escolhemos saber que a Gaia já estava morava em mim
Por Sandro Domingues. O meu segundo parto contado pelo meu marido.
Ela disse: “Está atrasada”.
E eu, deitado de costas para ela, coloquei levemente a mão sobre seu ventre, senti claramente e pensei: “Caramba! Está aqui!”.
A confirmação (nem precisava) foi lida alguns dias depois naqueles dois risquinhos vermelhos do teste mergulhado no potinho de xixi. Estávamos nós três (Eu, DyDy e Klaus) e mais ninguém, acompanhados pela natureza exuberante da Mata Atlântica. Sentados à nossa “Pedra Sagrada”, colocada pela divindade às margens daquele rio transparente como o ventre daquela mãe, pois aquele bebê estava tão visível para mim quanto o fundo daquele curso d´água.
Ninguém mais sabia, ninguém mais soube, por algum tempo. Guardamos nosso segredinho para ser curtido sem interferências, relembrado a cada minuto daqueles deliciosos dias. Imprimindo em nossos rostos o enigmático sorriso bobo que ninguém conseguia decifrar.
O tempo passando, a barriga crescendo e eu conversando com aquela criaturinha por aquele microfone em formato de umbigo. Assistíamos o constante deslizar de seus membros elevando graciosas ondulações abdominais. A barriga daquela mamãe transformava-se em um imenso relevo Braille que não cansávamos de ler com as mãos.
Saber o sexo? Na, ne, ni, na, Não! Só quando nascer. A família morrendo de curiosidade, mas a certeza só na hora do parto. Sentíamos claramente a energia feminina daquele bebezinho, mas jamais estragaríamos a surpresa conhecendo o presente antes de abrir o embrulho. Na escolha do nome nem pensamos em masculinos e foi por Aglaia que decidimos. Ela seria tão bela e gloriosa quanto o significado de sua graça.
Certo dia, eu, deitado sem peso por cima daquele barrigão, percebendo o momento, disse para a mulher que estava por baixo do barrigão: “Do jeito que eu fiz, eu vou tirar”. E começamos a “namorar” (entre aspas mesmo), calma e tranqüilamente. Se usei a energia sexual para colocar aquele bebê lá dentro, então a usaria para tirá-lo de lá. Eu jamais deixaria outra pessoa terminar na maca o que eu comecei na cama. Se eu soube colocar o bebê lá entro, eu tenho que saber tirar. Não poderia permitir que ela saísse do ninho para ser cortada em um hospital, cercada de homens vestidos de astronauta, munidos com seus instrumentos cortantes, inoculando suas químicas industriais. Como poderia expor a um refletor aqueles olhinhos que nunca viram a luz? Tais artifícios podem ajudar, mas o abuso tornou-se rotina e trouxe danos.
Absurdos à parte (daria um livro), retomo o assunto. Ao terminarmos, iniciaram-se leves contrações. Era de tardinha, tiramos um cochilo e depois fomos caminhar. Voltamos para a casa e mais à noite fomos passear na pracinha da cidade. Contando os intervalos das contrações, a bolsa rompeu-se (21h50) e corremos para a casa. Às 23h30 a enfermeira (obstetra) chegou, pois eu não estava preparado para dar pontos caso houvesse laceração (risos), mas não foi preciso.
Em meio a gemidos e contorções Dielly exclama: “Não agüento mais, tem que nascer até meia noite”. Ao que respondi: “Agora deixe comigo”. Esfreguei as mãos e imaginando uma luz dourada entre as mesmas, aproximei-as das costas daquela mãe ansiosa, fazendo aquele foco brilhante de energia penetrar-lhe o corpo. Imediatamente ela exclamou assustada: “Entrou uma coisa aqui, tem uma coisa aqui dentro”. Algo que ela em seguida definiu com a frase: “É uma Vontade de Nascer”.
A partir de então, eu tinha muito mais certeza de tudo o que ocorria no corpo dela e do momento certo em que as coisas aconteceriam. Logo coloquei as mãos sobre sua barriga e sem tocá-la trouxe a cabeça do bebê até a portinha de saída. Ela coroou. Não adiantava insistir, eu sabia que era hora de descansar. Paramos para relaxar e, alguns minutos depois, coloquei novamente as mãos enviando-lhe mais daquilo que eu sabia fazer de melhor naquele momento. Novamente, sem tocar, comecei a trazer o bebezinho para o lado de fora. 23h57m. Três circulares de cordão, sem problemas. Uma no pescoço, uma na cintura e outra na perna.
Do ventre para minhas mãos e delas para o seio. Prontamente a enfermeira ligou o aquecedor para deixar tudo mais agradável ao bebê. Olhávamos pela primeira vez seu rostinho, piscando vagarosamente os olhinhos, deitada sobre o seio, estabilizando sua respiração, quando delicadamente a enfermeira deu-me a tesoura para cortar o cordão. Segurei-o pedindo permissão às duas para separá-las e o fiz.
Na madrugada, a chuva pela janela, imagem inesquecível. Recordo-me claramente de cada detalhe. Pela manhã, todos – menos eu – dormiam no chão da sala, palco do espetáculo ocorrido na véspera. Tudo acontecera de forma perfeitamente natural, sem nenhuma intervenção sequer. Fomos agraciados com a generosidade da natureza e a perfeição do parto natural que qualquer animal, mamífero ou não, merece.